.

.

Sem-nome.

Era estranho como o sol teimava em não aparecer por trás das nuvens, volta e meia sentia-se um raio mais quente mas decididamente era ''sol de pouca dura''. Ao mesmo tempo, a água só chegava a meio caminho das minhas pernas, tinha-me sentado à beira-mar para ganhar coragem e dar o mergulho do dia, mas as ondas perdiam a força à medida que o tempo passava e os rochedos já se viam.
Mas o sol apareceu. Sentou-se ao meu lado e não disse o nome. Também não perguntou o meu. Estávamos quites.
Possivelmente um metro e setenta e cinco de pele morena, olhos grandes e sorriso tranquilo. Transpirava serenidade e é assim que facilmente se confia em alguém que não te diz o seu nome. Sei que não é dali, veio atrás de um sonho (também não sei qual) mas ainda não o concretizou. Espero que concretize um dia. Tem um sotaque que desconheço e umas expressões engraçadas. Quando se ri, e fê-lo muitas vezes, acentua uma ruga que tem por cima do nariz. Percebi que é o filho mais novo, supostamente o protegido, aquele que todos querem trazer ao colo e mimam ao máximo, mas quis ser diferente. Está a ser diferente. Gosta de surf mas nunca experimentou. Bebe sumo de maracujá. Como assim, também bebe sumo de maracujá?! A minha mãe diz que qualquer dia o meu fígado salta-me pela boca pelas quantidades que bebo deste sumo, assim já seremos dois. 
Parou de estudar e demorou a dizer 'comunicação organizacional' sem se engasgar. Ri-me. E a ruga por cima do nariz voltou a aparecer. Desconfio que seja um coração mole, e fiquei com a impressão de que é conhecido na zona, umas quantas crianças já se vieram meter na conversa. Adora Rui Veloso, coincidências. Não sabe nem estrelar um ovo. Se pudesse mudava-se para Itália. Deve ter um complexo qualquer com os pêlos das pernas, não pára de mexer neles, ao mesmo tempo que, como eu, faz buracos na areia com os pés. Não pode ser nervosismo. Não o é, somos dois estranhos, não devemos nada um ao outro, podemos ser o que quisermos um para o outro. Talvez até podia chamar-me Matilde, ou Maria Francisca. Quem sabe, até posso ser mesmo Joana. Ele pode ser Miguel ou Afonso. Até mesmo João.
Levantou-se e não dei pelo tempo passar pois o sol já se estava a pôr e os rochedos estavam completamente à mostra. 
Não disse o seu nome e não perguntou o meu.


- Eram quatro cafés, por favor. - disse tentando mostrar que éramos perfeitos desconhecidos.
- Não estiveram a falar na praia? - perguntaram.
Olhei para o balcão, vi a ruga aparecer e respondi:
- Não.

Sem comentários:

Enviar um comentário