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Areias movediças



Sentei-me pela primeira vez este ano na areia. Senti aquilo que o Verão tem de melhor: a brisa do mar, o cheiro a protector solar e o calor da saudade. Quase que me esquecia de como era...
Desejei que aqui estivesses, que sentisses comigo aquela dor que a areia teima em infligir nos pés, que reclamasses comigo por encher a tua toalha com essa mesma areia, que fizesses de mim uma torrada de creme enquanto me dás um sermão sobre escaldões. Tem piada, logo de manhã apanhei um... Foi o primeiro sinal de que não estavas aqui.


Na verdade, já não estás há alguns dias, talvez semanas... Mas prometeste que estarias sempre comigo, lembraste? As promessas foram feitas para serem cumpridas e a tua falta já é notada.
Quando entrei na água foi um choque e comparei-o com algumas situações que teimam em não me sair da cabeça. Primeiro estranha-se, depois entranha-se, é o que dizem... Mas eu não quero que se entranhe, isso significaria aceitar sem luta as rasteiras da vida.
Pergunto-me quantas vezes vou ter de pensar no mesmo, desejar o mesmo, trabalhar para o mesmo enquanto sinto que há areias movediças que me puxam para baixo.
Há coisas que não fazem sentido, e no entretanto já enchi a minha toalha de areia, outra vez.
O sol começa a pôr-se, ficam as pegadas das longas caminhadas à beira-mar, ficam os pensamentos de um dia de distracção ilusória e só não fica a certeza de melhorias.
Mas, aprendi que para todo o fim há um recomeço, nem sempre como queremos, quando queremos e com quem queremos; é como o choque de entrar dentro de água, por muito que saibamos que vai custar, tentamos a primeira vez, a segunda e à terceira é de cabeça sem pensar no frio que nos vai congelar os movimentos e os sentidos.
Tenho pessoas a olhar para mim, as folhas vão ficando salpicadas com gotas salgadas e a areia confunde-se com a tinta da caneta; e do nada uma bola toca-me nas costas e alguém diz ''Desculpa, não te queria desconcentrar... Continua.''. Sorri e o sorriso foi-me devolvido de imediato.
''Continua'', pensei eu; não podia ter pedido nem mais nem menos.
Sacudo a toalha, tiro-lhe todas as areias, e com elas as mágoas que tenho carregado. 
Amanhã não haverá praia, mas haverá sempre a esperança de um recomeço.

4 comentários:

  1. bem escrito e bonito! Continuaaa ;))

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  2. A parte mais difícil de uma pessoa que chora em folhas soltas, é que nós podemos impor qualquer pensamento, reflexão ou ideia, de uma forma tão exclusiva, sim, porque nós normais não somos, que há sempre aquela dificuldade para o leitor, sendo ele algo ou não para o escritor, em acompanhar todas as palavras que saem na pontinha da nossa caneta. No final, acabamos sempre felizes, porque mesmo tendo sido entendido ou não pelo leitor, o que estava na cabeça a moer-nos, saltou para as folhas soltas. Agora as folhas e os leitores que aturem, enquanto nós descansamos e ansiamos pelo dia de amanhã. Eu por acaso hoje estive à beira-rio, e só de observar a corrente com destino ao seu destino, acabo por saber que "tempo é rio". Amanhã não haverá praia, mas amanhã é sempre outro dia.

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    1. Obrigada do fundo do coração! ❤ amanhã não haverá praia, mas haverá amigos assim!

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