.

.

Bonança

Todos os dias volto aquele jardim de mão dada com a incerteza.
Da primeira vez, o sol era quente, aquecia-me os braços e uns minutos depois, o coração. Lá estavas tu, sentado no banco de madeira, com uma pose de quem carrega aos ombros uma vida de desgostos, a fumar um cigarro sem fim. E todos os dias a seguir a este, lá estavas tu, uma vez, e outra vez.
Nunca te tinha visto um sorriso ou ouvido uma palavra sequer, sempre solitário e com um ar misterioso não deixavas margem para me aproximar. O improvável encarregou-se de nos juntar numa circunstância engraçada, e pela primeira vez, a tua expressão facial mudou, e num movimento de contracção muscular da boca e dos olhos, eu vi que também tu sabias sorrir.
Após isto, descobri em ti aquilo a que chamam uma raridade. Não sei de que és feito, quais são os teus sonhos, nem a tua comida preferida, mas sei aquilo que me dás, e dás-me muito, todos os dias, um bocadinho mais ainda. Dás-me esperança, dás-me carinho, dás-me risos, dás-me calor, dás-me vida.
Agora vais ficando por perto, sempre de cigarro na mão, pronto para me dar mais.
Desconfio sempre quando a vida nos dá mais do que aquilo que pedimos, mas desta vez não vou questionar, não vou hesitar nem complicar.
Todos os dias voltamos juntos aquele jardim, de mão dada.

Sem comentários:

Enviar um comentário