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O toque.

Entrei dentro do consultório convicta do que ia fazer. Parecia ser a única solução para guardar todas as memórias que até então eram pequenos-tudo na minha vida.
Chamam-lhe o Cofre das Emoções. Basicamente escreves num papel muito fino e com caneta dourada todos aqueles momentos que foram bons demais para esquecer, para que um dia, quando assim for seguro, voltares e levá-los para casa sem ressentimentos ou mágoa.
O almoço de domingo em família que com a maior subtileza se apresentam pessoas às Pessoas.
O passeio na praia, não no verão, mas no inverno, onde quilómetros de areia se mostram mais solitários que  um de nós quando estamos separados.
O acordar no sofá da sala depois de uma noite de cinema, eu sei, a culpa é minha, sou eu que adormeço sempre a meio. 
O casamento daquela prima afastada que todos pensavam que nunca se ia casar (fui eu que apanhei as flores, devias começar a procurar um anel bonito).
O jantar de comida chinesa, sempre delirei com arroz chau-chau e chips de camarão.
A viagem ao Brasil.
O pequeno almoço na cama, café com leite para ti, café simples para mim.
O concerto do Ed Sheeran, na primeira fila, à espera que toque a ''Give me love'' quantas vezes eu quiser.
A noite em que ganhas um prémio com mais de três zeros.
A discussão para ver quem apaga a luz (no filme Ps: I love you, numa das primeiras cartas que o Gerry escreveu à Holly, pede-lhe que compre um candeeiro para a mesa de cabeceira, evitariam-se discussões e nódoas negras nos dedos dos pés por todas as vezes que batia na cama quando voltava às escuras - se nunca viste o filme, vê já).
A tarde de compras, revelaste-te pior do que eu, mas não são novidades.
O amanhecer de uma noite de conversas, nunca antes o nascer do sol parecera tão pacífico...
A pessoa da bata branca e ar infeliz pede-me as folhas e faz-me assinar um termo de responsabilidade em que a primeira frase dizia ''Eu (espaço para preencher), responsabilizo-me por guardar a sete chaves as memórias que outrora me fizeram feliz, comprometendo-me a vir buscá-las apenas e só quando o dia de depois de amanhã for seguro.'' E pensei ''o que é um dia seguro?'', quem me diz a mim que não é amanhã que o meu telemóvel toca aquando de receber aquele testamento que acaba com um simples ''vamos recomeçar.''? 
Apercebo-me que nunca tinha vivido nada do que tinha escrito, talvez a minha mão tivesse ganho vida própria e me quisesse mostrar o que ainda estava para vir.
Saí do consultório convicta de que não voltaria lá, aquelas não eram as memórias que eu queria guardar, são os pequenos-tudo que eu ainda tenho de viver e que me farão feliz quando o meu telemóvel tocar.


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